GALERIA SÃO MAMEDE
02 - 28.02.2023
Galeria São Mamede, Lisboa
A AUSÊNCIA DO DESCANSO
Instru(mental)
A cor influencia diretamente a alma.
A cor é o teclado, os olhos são os martelos, a alma é o piano com muitas cordas.
O artista é a mão que toca, tocando uma ou outra tecla propositadamente,
para causar vibração nas almas.
Wassily Kandinsky 1
Desde o início da pandemia, as taxas de ansiedade, depressão, esgotamento e abuso de substâncias têm aumentado a um ritmo inquietante. Seja através dos meios de comunicação, ativismo, investigação científica ou práticas artísticas, o discurso sobre saúde mental é agora mais importante do que nunca. O espectáculo A Ausência do Descanso fala-nos exactamente da necessidade de o abordar sem constrangimentos, encarar de frente este problema sistémico e torná-lo um dos tópicos do momento. O nosso bem-estar emocional, psicológico e social colectivo depende do mesmo.
Um dos corpos de trabalho aqui apresentado faz uso de jogos de palavras em torno dos nomes de instrumentos musicais e preocupações que a artista tem, como é o caso de "(CHILL)OPHONE" (chill-your-phone / xylophone), falando-nos da necessidade de desprendimento tecnológico, e "PIANO PIANO" (o instrumento e a palavra italiana para suavemente) aqui apresentada com um ângulo performativo, reflectindo sobre a necessidade de abrandar como sociedade e de levar a vida um dia de cada vez. Estamos agora rodeados por um madrigal de cores e composições de elementos repetidos, e "a música, como uma forma inerentemente abstracta, proporcionou uma metáfora potente para os artistas (...)". (Scoates, 2013: 18), como é o caso de Malta.
A prática de Malta também ecoa, através da representação colorida de sofás e cadeiras em muitas das suas pinturas em grande escala, a emergência colectiva de simplesmente nos sentarmos, descansarmos, algo que actualmente está tão ausente nas nossas vidas agitadas. As preocupações dos seus pares, sendo semelhantes às da artista ou particulares, estão também aqui retratadas, como num desejo de curar e compreender, fazendo desta uma exposição plurivocal. Estas pinturas servem não só como uma forma de terapia pessoal para a artista que expressa as suas inquietações diárias e as deixa para trás no estúdio, mas também como um método para lidar com e compreender os obstáculos da vida dos seus amigos, para ajudar da forma que puder.
Por instru(mental) quero expressar não só uma alusão ao som e à música como veículos de inspiração, mas também referir-me ao significado da palavra como necessário e influente, pois esta exposição pretende deixar-nos espectadores com a noção de que o tema da saúde mental é uma importante discussão a ter em sociedade, seja com os nossos pares, a nossa família, os nossos profissionais de saúde, os políticos que nos representam, ou mesmo com estranhos que conhecemos numa exposição. De facto, Roberts, Camic e Springham (2011: 1) "sugerem que a visualização da arte num grupo dentro de uma galeria tem potencial para ser utilizada mais amplamente como uma actividade comunitária, de baixo custo e não-clínica para fornecer apoio social e psicológico", fazendo com que esta exposição exista não só como um veículo de sensibilização mas também como uma oportunidade para algum tipo de sanação.
Maria de Brito Matias, Janeiro de 2023.
1
Wassily Kandinsky, Concerning the Spiritual in Art, trans. Michael T. H. Sadler (1911; New York: Dover 1977),
25.