VÊS. TRÊS :: SOBRE TENTATIVAS DE (RE)MOVER
INAUGURAÇÃO: 01.09.2021 ( Quarta-feira | 15H - 19H )
EXPOSIÇÃO: 02 — 30.09.2021 ( Segunda - Sexta-feira | 09H - 19H )
atmosfera m, Lisboa | Rua Castilho nº 5
Saibam que somos uns estranhos à procura de mundo. Que mergulhamos profundamente nos momentos que ficam. E toda a superfície revela um novo eu cheio de camadas de velhos eus que um dia já fomos. A pintura como arte recorda-nos de como era mas também nos faz pensar em como poderia ter sido.
A exposição Sobre tentativas de (re)mover retrata as inúmeras camadas com que ficamos como resultado de experiências de vida.
Há quem faça apenas um esboço para que o mundo o contemple como arte e há quem leve anos a aperfeiçoar as suas técnicas para que o mundo assim o reconheça. Qualquer uma das situações merece ser vista e apreciada.
Imaginar como teria sido aquela tela se o traço não fosse tão firme, se a mão tivesse outra inclinação ou se quem a pintasse a visse através de outra perspectiva. Nós imaginamos tantas coisas da forma como gostaríamos que tivessem sido. Assim a arte nos representa uma e outra vez. E, como na vida, a obra nem sempre segue o rumo inicial. Em resposta, pintamos mais uma vez a versão que temos do mundo, agora. Ficaram as antigas esperanças para nos incentivar a continuar em movimento. Tudo muda à nossa volta e as cores com que imaginávamos o céu sofrem alterações ao sabor do desgosto, do entusiasmo ou do prazer. Sentados, recordamo-nos de quem temos a certeza de não termos esquecido. Como se fosse uma mentira da qual só nós conhecemos a verdade.
Nesta exposição observamos o passado vivido e o presente sentido e é como se tudo junto representasse uma multidão. Iguais às multidões com que nos cruzamos diariamente na rua. Somos telas. E, assim, somos mais do que mostramos. E já fomos tantas outras coisas que tivemos de deixar que o tempo nos transformasse até assumirmos a nossa actual forma.
Cada tela é um sinal de quem já sentiu o suficiente para saber que quase nada é certo, por mais que desejássemos que fosse. Certas telas desta exposição ficaram muito tempo em pausa até se reconhecerem e seguirem pelas cores que o público hoje pode ver.
Há telas que foram pintadas de branco; mas houve hesitação, os primeiro traços foram de raiva, outros de alívio e outros que significaram deixar partir para que voltasse a existir movimento. Estas obras - que em tempos foram a última camada - hoje são tentativas de criar algo novo. A passada intenção perdeu o seu sentido mas não a sua existência. Logo, a nova forma que hoje assumem, nunca será capaz de fazer desaparecer o que antes foram. O mesmo acontece com o passar da vida. Todas as aventuras deixam a sua marca, por muito que o “eu” se transforme. Se observarem mais de perto vão ver que nada é totalmente apagado, afinal ninguém é uma tela em branco.
Há que ter a certeza que o mundo entende a arte como algo perfeitamente inacabado e incompleto, uma metamorfose constante. Ciclos de amor que começam em nós e terminam nesta exposição. Estamos profundamente ligados e eternamente dependentes da arte de redescobrir a vida pelos nossos olhos. Associados a quem sente, a quem pensa, a quem sonha, a quem vai em frente e depois volta atrás. A quem corre sem destino, a quem definiu as suas metas, a quem colecciona medalhas do pódio, a quem fica sentado. A quem perdeu, a quem ganhou, a quem causou a dor, a quem foi dor antes ou depois de ser amor. A quem tem a certeza ou a dúvida da própria existência. Sintam o que foi vivido. Como seria a vossa tela?
Afinal há sempre quem conte estrelas como forma de se movimentar entre vidas. Talvez esse movimento varie consoante os segredos que guardamos, em sintonia com o bater de cada coração.
Patrícia César Vicente
Agosto, 2021